RAIO-X DA EMPRESA
Sanepar - parte 2

Planta, Mercado e Composição da Receita

Água fornecida a 98,5% do Paraná

A Sanepar "atende com sistemas de abastecimento de água 622 localidades, sendo 342 sedes municipais e 280 distritos, beneficiando uma população de aproximadamente 8 milhões de habitantes, representando 98,5% da população urbana do Estado do Paraná.

Os serviços de esgoto sanitário são prestados em 146 centros urbanos, beneficiando uma população de 3,6 milhões de habitantes, representando 44,6% da população urbana do Estado.

A planta de fornecimento de água da empresa consiste em 185 estações de tratamento, 810 poços de captação subterrânea e 236 captações de superfície, distribuídas por todo o Estado. A empresa opera mais de 35.000 km de rede. Há 16.000 km de rede de coleta de esgotos. Quase todo o esgoto coletado é tratado.

Em 2003 foram renovadas as concessões de água e esgoto com nove municípios para as próximas três décadas."

Experiência sanitária

"A empresa atua na área de resíduos sólidos detendo a concessão dos serviços no município de Cianorte, onde explora a coleta e a gestão do aterro sanitário e acumula experiência nesse setor que responde por um dos grandes passivos ambientais da sociedade brasileira.

A companhia se prepara para expandir a atuação nesse ramo e alguns municípios já manifestaram formalmente interesse em adotar a experiência de Cianorte. A oportunidade é potencialmente grande, uma vez que 342 municípios de nosso Estado estão considerando a possibilidade de terceirização desses serviços através de concessão."

Segmento principal o residencial

O fornecimento de água potável contribui com 70% da receita total, a coleta e tratamento de esgotos sanitários 27%.

Como mais de 70% da receita vem do segmento residencial, cujas necessidades variam pouco, há quase nenhuma ciclicidade na demanda pelos serviços da empresa. Somente uma situação de racionamento por falta de água reduziria significativamente o nível normal de demanda.

É há bastante incentivo para evitar o corte do fornecimento. Em 2003 o nível de inadimplência com relação à receita operacional bruta anual foi de somente 1,3%.

Tarifa fixada pelo governo

Com relação às tarifas, observamos que a empresa implementou uma "tarifa social" que beneficiou 43.000 famílias com tarifa reduzida em 2003. A empresa vai "destinar cerca de R$ 60 milhões anuais para ampliar a cobertura da Tarifa Social". O nível das tarifas é fixado anualmente pelo Governo do Paraná, após negociação.

Últimos Resultados

Ano de 2003

Em 2003 o volume de água faturado pela Sanepar cresceu somente 1%, contra uma expansão média de 5 anos de 3,7% aa. Os dados correspondentes para o volume de esgotos faturado foram 5% e 5,3%.

No Relatório de Administração não há explicação do baixo crescimento do consumo de água. Observamos que houve risco de racionamento em 2003 e a empresa fez campanha para evitar o desperdício. Houve também no ano um pequeno aumento nas perdas no sistema distribuidor (que alançaram 37,6%).

Apesar da pequena expansão do volume faturado, a receita bruta expandiu 8,5%. Não há menção no Relatório da Administração mas concluímos que a diferença a mais se deve ao reajustamento de tarifas.

Por outro lado o lucro líquido saltou 80,5% em 2003. De acordo com a empresa 11% do aumento em lucro se deveu ao efeito da valorização do real sobre o endividamento da empresa em moeda estrangeira. Pode ser, mas a análise mostra que a redução na conta "Financeiras" de um ano para o outro equivale praticamente a todo o lucro de 2003!

Com relação à posição financeira da empresa, observamos que indicadores de liquidez e solvência, em níveis preocupantes no fim de 2002, tinham melhorado significativamente um ano depois (ver Tabela de Dados).

Ao analisar este aspecto em mais detalhe descobrimos que a Sanepar fez uma retificação do balanço de 2003, aparentemente re-classificando a famosa dívida de R$ 397MM do JBIC (ver Contencioso ...) em parte do patrimônio líquido como um "Adiantamento para Futuro Aumento de Capital" (ou "AFAC"). O efeito foi de reduzir a dívida da empresa e aumentar seu patrimônio líquido.

Nove Meses de 2004

O volume, tanto de água faturado quanto de esgotos, cresceu 2% no terceiro trimestre de 2003 com relação ao mesmo trimestre de 2002.

Mais uma vez o aumento em receita, desta vez dos 9 meses, foi bem maior: 10%. Aqui temos certeza que a explicação da disparidade com relação o aumento em volume é um aumento tarifário de 14%, concedido no início do ano.

Infelizmente, deparamos com uma queda no lucro líquido de 21%. Em seu Comentário do Desempenho a empresa menciona, como dois dos culpados, uma desvalorização do real e um acréscimo na alíquota de Confins. Muito mais preocupante, no entanto, são aumentos de 19% e 14%, respectivamente, no custo de serviços e despesas gerais e administrativas. Não encontramos explicação nos comentários da empresa do trimestre.

Análise de Múltiplos

Mais uma vez alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos de inflação e variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização. Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2004: é mais um valor "típico" do que uma projeção rigorosa do resultado do ano.

Aumento impressionante em rentabilidade

Embora incompleta, a Tabela de Dados mostra informações a partir de 1998. Ao longo desse período estimamos que receitas cresceram a pouco menos de 5% aa, e lucros a 22% aa. Já vimos nos Últimos Resultados que o fim da série, 2003, se beneficiou de efeitos positivos não recorrentes.

Com relação ao retorno sobre patrimônio líquido, verificamos que houve um aumento impressionante de rentabilidade ao longo do período. Note que o grande aumento no patrimônio líquido a partir do fim de 2003, gerado pelo AFAC, subestima a rentabilidade recente.

A melhora de rentabilidade se repete com a margem líquida, que mais que triplicou de 1998 a 2004. Será que é pura coincidência o fato desse período corresponder à presença da Vivendi, especialista mundial em saneamento? Dado ao alto patamar já atingido não acreditamos que haja muito espaço para aumentar a rentabilidade da empresa além do nível de 2003.

Indicadores uma fração do mercado

Se levarmos em conta o efeito da reclassificação do AFAC, há relativa estabilidade nos últimos três tanto no retorno sobre o patrimônio líquido quanto nos indicadores de mercado preço/lucro e o preço/patrimônio líquido. Sem o AFAC, por exemplo, o indicador atual seria 60% e não 47%.

Mesmo assim, em vista dos limitados dados históricos à nossa disposição, não podemos chegar a qualquer conclusão definitiva a respeito da atratividade do preço atual com relação a níveis passados.

Podemos, no entanto, comparar os indicadores de mercado da empresa com o universo de empresas que acompanhamos (o "mercado"). Assim, observamos que o preço/patrimônio líquido representa, neste momento, somente um quarto da média desse universo, enquanto o preço/lucro é um terço. Em contrapartida, o atual retorno sobre patrimônio da empresa é somente 65% da média do mercado.

Atraente yield de dividendo

Em relação aos indicadores financeiros, já vimos que a melhora em 2003 se deve principalmente à reclassificação de uma dívida como o AFAC.

Finalmente, não podemos deixar de chamar a atenção ao atraente Yield de Dividendo de 10,3%.

Cálculo do Valor Intrínseco

Margem de segurança de 65%

Se supusermos que há pouco ou nenhum espaço para aumentar mais a rentabilidade da Sanepar nossa taxa de crescimento de lucro para os próximos 10 anos não pode superar 5% aa. Como uma premissa razoavelmente conservadora, vamos adotar, tanto para a próxima década quanto para o período "perpétuo" subseqüente, uma taxa de 4% aa.

Para nosso lucro base vamos usar o lucro médio dos últimos 3 anos, adotando como o lucro de 2004 o dos primeiros 9 meses anualizados. Dá R$ 204MM, que representa um retorno de 10,9% sobre o patrimônio líquido do fim de setembro 2004.

Adicionando um payout de 39% e uma taxa de desconto de 9,5% obtemos um preço justo para Sanepar de R$ 3.494,00 por 1000 ações (ver Coluna A na Tabela abaixo). Considerando o preço do mercado atual de R$ 2.120,00 temos uma margem de segurança de 65% (ou desconto de 39%). Se ignorarmos a briga envolvendo o sócio majoritário e o sócio estratégico é uma margem atraente.

Agora vamos supor que o "Efeito Requião" reduz o lucro base em 20%, mantendo as taxas de crescimento e outras premissas inalteradas. Nessa situação a margem de segurança cai para 32% (desconto de 24%) - nada mau como um cenário pessimista (Coluna B na Tabela).

Premissas e Resultados


                                           A        B          
                   Taxa de Desconto:      9.5%     9.5%        
                  Lucro Base (R$MM):     204.0    163.0        
        Taxa de Crescimento 10 anos:      4.0%     4.0%        
       Taxa de Crescimento Perpetua:      4.0%     4.0%        
                             Payout:     39.0%    39.0%        
                                                               
 Valor de Mercado da Empresa (R$MM):       878      878        
 Valor Intrinseco da Empresa (R$MM):      1447     1156        
                   Preco Atual (R$):   2120.00     2120        
                   Preco Justo (R$):   3494.49     2792        
                Margem de Seguranca:       65%      32%        
                                                               
         A - Cenário mais provável     B - Cenário pessimista  

Discussão

Risco político

O desafio principal é avaliar se o desconto oferecido pela ação continua atraente após levar em conta o risco político.

Este risco abrange: variação no nível das tarifas que são fixadas anualmente pelo Governo do Paraná após negociação; a qualidade dos dirigentes, supostamente "politizados", nomeados pelo Governo do Estado; o efeito de possíveis medidas operacionais populistas implementadas por esses dirigentes; o efeito sobre a política de contratação de pessoal e a compra de insumos e serviços implementada por esses dirigentes; e o impacto sobre operações da briga do acionista controlador com o acionista estratégico.

Já vimos, por exemplo, a campanha contra a Dominó e a introdução da "tarifa social". Há notícias que todos os gastos superiores a R$ 100 mil têm de passar pelo Presidente do Conselho, cujo irmão, de acordo com o artigo da revista Dinheiro, "estaria ajudando a arrecadar recursos para uma eventual reeleição de Requião".

É possível que tudo isso começará a mudar daqui dois anos com a troca do governador do Paraná, mas não há nenhuma garantia.

É uma incógnita o poder do acionista estratégico para controlar possíveis desvios políticos. Aliás, imaginamos que o acordo de acionistas visava exatamente este fim. É interessante notar que logo depois da decisão do STJ restabelecendo o acordo, a trajetória da ação se descolou abruptamente do Índice Bovespa.

Já fornecemos, em Contencioso e Diluição, uma idéia das implicações de uma decisão do Governo do Paraná de "deixar de avalizar os repasses de recursos de financiamentos para a Sanepar". Nas palavras do governador: "a Sanepar para, mas o governo do Paraná não será roubado".

Será que é possível um governador interromper as atividades de uma empresa, que ele mesmo controla, que tem um papel crucial no dia a dia da população? O que é que a autoridade máxima do Paraná quer? Tudo indica que seu objetivo é utilizar táticas populistas para assegurar seu futuro político. Não deve ser interesse dele reduzir a qualidade ou o alcance dos serviços de saneamento básico de seus eleitores.

Mas convencer municípios a não renovar contratos com a Sanepar, prejudicando o maior beneficiário de dividendos - o Estado do Paraná - atirando no próprio pé, parece um ato de loucura.

Comparação com outras oportunidades

Vamos atacar em outra direção, comparando o retorno real anual no investimento nos próximos anos com os retornos por outras ações analisadas este ano. Somando o yield de dividendo atual e o crescimento previsto (conservadoramente) temos: Gerdau Met 18%, Weg 16%, Itaúsa 13,5%, Marcopolo 12%, Petrobras 11,5%, contra 14% para Sanepar. Não seria, por exemplo, mais interessante sacrificar dois pontos percentuais por conta do risco político é preferir Marcopolo sobre Sanepar?

Baixa Ciclidade

Mas como observamos em Planta, Mercado e Composição da Receita, a Sanepar possui uma vantagem, na teoria pelo menos, que nenhuma das outras empresas têm: baixíssima ciclicidade de demanda. Infelizmente, dada à variável tarifa, isso não significa, necessariamente, a estabilidade de receitas e lucros.

Cenários

É impossível fazer uma avaliação quantitativa, mas sentimos que as vantagens de uma margem de segurança de 65% e de baixa ciclicidade são suficientes para amenizar o risco político e, no mesmo tempo, atender as necessidades de retorno do investidor. Já vimos que ainda temos uma margem de 32% com uma redução de 20% na premissa do lucro base.

Mas o que impulsionará uma correção no preço da ação da Sanepar? Em nossa opinião seria um reconhecimento que a rentabilidade atual será mantida. Há dois cenários: ou os acionistas principais chegam a um acordo, ou os resultados daqui para frente mostram que, apesar da disputa, não há impacto nas operações da empresa.

Conclusões e Recomendação

Temos, em nosso cenário mais provável para a Sanepar, uma margem de segurança de 65% e indicadores preço/lucro e preço patrimônio que são fração das médias do mercado. Embora o retorno da empresa ainda esteja abaixo da média, o histórico da empresa mostra 5 anos de rentabilidade em ascensão. Se supusermos uma queda de 20% no lucro base - e conseqüentemente na rentabilidade da empresa - a margem de segurança cai para 32%.

Seria uma situação atraente para o investidor se não fosse o grande risco político envolvido. Há forte possibilidade que o acionista controlador, que é também a autoridade máxima no Estado do Paraná com poder para fixar tarifas, utilize a empresa para avançar seus objetivos políticas. Objetivos esses que são o oposto dos interesses dos outros acionistas.

Teoricamente, há um acordo de acionistas que possui condições de segurar os piores ímpetos políticos do controlador. Mas dado aos esforços do Governo do Estado de passar por cima do acordo não podemos ter confiança ilimitada em sua eficácia.

Há uma contradição na atitude do governador. Se seus objetivos são políticos é melhor ficar no grito do que interferir com serviços que são essenciais para seus eleitores. Assim, não acreditamos que haja perigo da Sanepar parar. Por outro lado, afastar os clientes da Sanepar sugere que não é sempre a razão, nem mesmo a razão política, que dita as ações do ilustre cavalheiro.

Acreditamos que o desconto presente na ação compense o risco de uma queda de rentabilidade. Por outro lado, não há nenhuma certeza que esse mesmo desconto também ofereça uma boa oportunidade de retorno no curto ao médio prazo - o alto yield de dividendo pode virar fumaça, por exemplo. No longo prazo consideramos que o risco de perder dinheiro é baixo e a chance de um bom retorno alto.

Certamente não recomendaríamos a empresa como um componente central de uma carteira concentrada. Por outro lado, a empresa poderia ser um membro útil de uma carteira diversificada. Mas não esqueça da possibilidade de uma subscrição. Recomendamos a empresa como um investimento de risco com horizonte de retorno de longo prazo.

Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação mantem uma posição nas ações da Sanepar.

Sanepar - parte 1

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Últimas notícias: Uma reportagem na Gazeta Mercantil de 10/1/05 informa que o Conselho de Administração decidiu limitar o payout de dividendos a 25% do lucro líquido, com o lucro adicional não distribuído sendo destinado ao programa de investimento. Com a decisão o yield de dividendo estimado de nosso Raio-X cai para 6,6%.

Como há demanda não satisfeita por serviços de saneamento no Paraná, a decisão é prefeitamente válida. Na teoria, pelo menos, o acionista sai beneficiado porque há aceleração do crescimento da empresa. Na prática, para compensar o payout menor, o crescimento de lucro na próxima década teria de ser mais que o dobro de nossa premissa conservadora de 4% aa. A chance disso ocorrer é pequena.

Em suma, a descisão do Conselho diminui a atratividade do papel. A única esperança é o Governo do Paraná não segurar o reajustamento de tarifas e a administração operacional e financeira da empresa manter a melhoria na rentabilidade da empresa durante mais alguns anos.

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