RAIO-X DA EMPRESA
Sanepar - parte 1
Tirar proveito da ópera-bufa política ou fugir da insanidade?

Código: SAPR4
Preço: 04/01/05
Preço da PN por 1000 ações: R$ 2120,00 Número de ações: 414,08 MM
Setor: Saneamento Básico Produtos/Serviços Principais: Distribuição de água e coleta e tratamento de esgotos.

Assistido pelo acionista estratégico Dominó Holdings, a Sanepar tem mostrado forte aumento de rentabilidade nos últimos 5 anos.

A partir de 2003, aparentemente por motivos políticos, o Governador do Estado do Paraná, representante maior do acionista majoritário da empresa, tem lutado para afastar a Dominó do seu controle de áreas chaves da empresa. Nessa luta o governador ameaça tomar medidas que reduziriam a lucratividade de sua própria controlada.

A ação da Sanepar apresenta um desconto atraente de 39%. Se a razão prevalecer e os verdadeiros interesses dos clientes da empresa forem respeitados, acreditamos que haja uma oportunidade de investimento de médio prazo (1-2 anos).

Agora, o governador atirar no próprio pé, prejudicando os dividendos do Estado que comanda sugere que o bom senso pode não prevalecer. Neste caso o investidor terá que ter um horizonte de retorno bem maior.

Introdução

Páginas políticas

Sanepar, principal fornecedor de serviços de água e esgotos do Paraná, e controlada pelo governo do Estado, é uma empresa onde os números contam somente parte da história. A outra parte é contada nas páginas políticas, jurídicas e policiais do Estado. A grande pergunta é até ponto a segunda parte influirá na primeira daqui para frente.

Ao ler as palavras do Presidente do Conselho, Pedro Enrique Xavier, que "uma SANEPAR comprometida em obter todos os esforços para maximizar os lucros da companhia e assegurar o maior retorno possível aos acionistas simplesmente não tem razão de continuar existindo" , nossa impressão é a pior possível.

Tabela de Dados

                                                (dólares ajustados)
          
Ano            1995  1996  1997  1998  1999  2000  2001  2002  2003 2004P
=========================================================================
Receita Liq.      0     0     0   427   438   469   491   525   519     -
Lucro Liquido     0     0     0    35    45    98   101    85   140   119
Pat.Liquido       0     0     0   767   763   795   679   652   902   957
-------------------------------------------------------------------------
Lucro/P.Liq. %    -     -     -   4.6   5.9  12.3  14.9  13.1  15.6  12.0
Preco/Lucro x     -     -     -   0.0   0.0   0.0   0.0   4.6   3.5   3.8
Preco/P.Liq. %    -     -     -   0.0   0.0  59.0   0.0  60.0  54.3  47.0
Margem Liq. %     -     -     -   8.2  10.3  20.9  20.6  16.2  27.1     -
Yield (Divi/Preco) %                                                 10,3
Payout (Divi/Lucro) %                                                39.0
Liquidez Corrente x     -     -     -     -    -    0.4   0.7   1.0     -
Div.Liq/Pat.Liq. %      -     -     -     -    -   83.0 104.0  44.0     -
-------------------------------------------------------------------------
P - Projetado         Retorno/Patrimônio Liq baseado no ultimo PL disponível do ano (e não do
inicio  do ano); Preço/Lucro baseado no fim do ano para períodos encerrados e no preço atual
para períodos não encerrados; dados até  31/12/98  convertidos  em  US$ pelo câmbio do fim do
ano em questão, dados a partir de 31/12/98 convertidas pelo câmbio do 31/12/98 (US$1=R$1,21),
após reajustamento pela inflação.

O presidente pode até ter uma pitada de razão, mas sua declaração aparentemente mostra a mais completa ignorância da função primária de uma empresa aberta: de conciliar os interesses da empresa com os interesses de seus clientes, acionistas e credores.

Mas só aparentemente. Considerando a biografia do presidente e suas afiliações podemos ter certeza que há fortes interesses políticos atrás da declaração - e atrás de todo o enfrentamento que ocorre entre o controlador da empresa e seu acionista "estratégico", a Dominó.

Bom desconto

Com toda essa problemática por que resolvemos analisar a Sanepar?

Primeiro, um cálculo rápido parecia indicar que, política à parte, a ação oferecia um bom desconto. Segundo, temos como meta analisar as empresas que alcancem as primeiras 25 posições de nossa lista das 100MAIS. E terceiro, ficamos atraídos por uma empresa que deve ser a menos cíclica da bolsa - dificilmente seus clientes residenciais, o principal segmento servido pela empresa, vão cortar significativamente seu consumo de água em tempos difíceis.

História

1963 - Criação da Sanepar, inicialmente com o nome Agepar, "com o objetivo de realizar estudos e elaborar projetos, orçamentos de obras relativas a novas instalações e ampliação de instalação de água e de esgoto sanitário; executar as obras mencionadas; prestar assistência técnica, administrativa e financeira, relativamente a serviços de água e de esgoto aos municípios do Estado do Paraná."

1972 - A empresa "modificou totalmente seu objetivo social quando incorporou o Departamento de Água e Esgoto do Paraná, e passou a explorar os serviços dos sistemas de água e esgoto de Curitiba e de mais outros 15 municípios. Atendia pouco mais de 500 mil habitantes com sistemas de abastecimento de água e não chegavam a 300 mil os habitantes atendidos pelos serviços de esgoto sanitário no Estado do Paraná."

1997 - Sanepar foi a primeira empresa de saneamento da América Latina a obter o certificado ISO 9002 para um de seus sistemas produtores de água.

1998 - O Estado do Paraná alienou 39,71% de suas ações ordinárias para a Dominó Holdings.

1999 - Sanepar foi a primeira empresa de saneamento das Américas a receber a certificação pelas normas da ISO 14001 para um sistema completo de água e esgoto.

2000 - Sanepar tornou-se uma empresa de capital aberto, com suas ações sendo negociadas no mercado da Soma. Em 2002 foi obtido registro na Bovespa.

2003 - Começou o enfrentamento entre o Governo do Estado do Paraná, acionista majoritário da Sanepar, e o acionista estratégico Dominó.

Contencioso e Diluição

Advento da Dominó

Em 1997 foi aprovada lei estadual que permitia a venda de ações ordinárias da Sanepar possuídas pelo Governo de Paraná, desde que mantivesse o controle da empresa. Como resultado, em 1998 o Estado vendeu em leilão 39,71% das ações ordinárias para o acionista estratégico Dominó, firma composta do grupo francês Vivendi (representado pela firma Sanedo), a Construtora Andrade Gutierrez, o Banco Opportunity e a Copel Participações.

Em seguida foi assinado um acordo de acionistas, já previsto no edital da venda, que efetivamente deu à Dominó Holdings o poder de veto no Conselho da Administração e o controle sobre a gestão operacional e financeira da empresa.

Suspensão de acordo

Nos anos que se seguiram ao acordo a Sanepar apresentou impressionante melhora de rentabilidade. Mesmo assim o governador Roberto Requião, como parte de uma campanha de "desprivatização" no estado lançada após sua eleição, resolveu tentar devolver o controle efetivo da Sanepar ao seu acionista principal, o Governo do Paraná. Com este objetivo foi editado, em fevereiro de 2003, um decreto que suspendeu o acordo de acionistas.

A justificação era que "não se pode admitir que o lucro se faça à custa da miséria". A miséria no caso parece se resumir em "a negação de um serviço público de qualidade", "preço alto das tarifas" e "falta de investimentos".

Miséria e popularidade

Não conhecemos todos os detalhes da disputa - havia, por exemplo, uma acusação de dividendos indevidos, e não ignoramos o comportamento agressivo do Banco Opportunity em outros casos, mas é difícil escapar da conclusão que o governador foi animado menos pela miséria do que por sua própria popularidade. Além de gerar mais dividendos para o Estado, o aumento no lucro não daria à Sanepar mais condições de investir para aliviar a miséria?

Um dado que tira a razão do governador é o fato de sua intervenção na Sanepar fazer parte de um padrão de comportamento populista também observado nos casos da ocupação dos pedágios rodoviários do Paraná da redução da porcentagem do reajustamento tarifário da Copel.

Infelizmente para o Governo do Estado, em julho de 2004 houve decisão do Superior Tribunal de Justiça restabelecendo o acordo de acionistas.

Aumento de capital

O contencioso foi complicado ainda mais por um desentendimento sobre um aumento de capital. O Governo do Paraná, detentor da maioria das ações votantes da Sanepar, quer converter uma dívida da empresa de R$ 397MM com o Tesouro do Estado, que repassou um empréstimo do JBIC - Japan Bank for International Cooperation, em aumento de capital.

Se a operação for efetivada, e se a Dominó não a acompanhar, subscrevendo a parte das ações que corresponde a sua participação atual na empresa, ela sofreria uma diluição de sua participação nos lucros.

Não temos conseguido esclarecer a questão, mas é provável que, neste caso, o acionista estratégico também perde alguns dos poderes definidos no acordo de acionistas. Como o aumento de capital é pesado, e certamente desmotivado pela hostilidade do acionista controlador, a Dominó reluta em subscrever sua parte.

Aqui é importante notar que, no evento da operação ir em frente, não somente a Dominó mas todos os acionistas minoritários teriam que acompanhar a subscrição para evitar a possibilidade da diluição de seus rendimentos por ação.

Tiros no próprio pé

Para aplicar pressão sobre a Dominó "o governador Roberto Requião está pedindo aos prefeitos paranaenses que passem a boicotar os serviços prestados pela Sanepar se o estado não conseguir retomar o controle acionário da empresa. A orientação do Palácio Iguaçu é para que as prefeituras, ao renovar os contratos, incluam uma cláusula estabelecendo que a parceria só será mantida caso o governo tenha o controle administrativo da Sanepar."

Finalmente, há a lance mais recente:

"O governador Roberto Requião disse nesta terça-feira (31/12/04), durante a reunião do secretariado, no Museu Oscar Niemeyer, que o Estado não vai mais transferir recursos para a Sanepar enquanto for mantida a decisão do Superior Tribunal de Justiça que, em julho deste ano, restabeleceu o pacto de acionistas.

De acordo com Requião, o dinheiro do Estado não pode ser aplicado para beneficiar o acionista minoritário. "Valendo a decisão do STJ, ocorreria uma aplicação de dinheiro público numa empresa privada. A Sanepar para, mas o governo do Paraná não será roubado", afirmou."

Implicações

Para entender as implicações da não transferência de recursos, acrescentamos uma reportagem de comentários feitos pelo Presidente do Conselho em outubro de 2004:

"Xavier alertou as autoridades judiciárias que, caso o acordo de acionistas, atualmente suspenso por medida liminar, seja restaurado novamente, o Governo do Estado vai deixar de avalizar os repasses de recursos de financiamentos para a Sanepar, situação que deverá deixar um déficit da ordem de R$ 700 milhões, "impossível de ser administrado", salientou.

Xavier prevê, nesse caso, déficits de aproximadamente R$ 300 milhões, em 2005, e mais R$ 400 milhões, em 2006, correspondentes à necessidade de antecipação do pagamento de valores contratados juntos ao JBIC e à Caixa Econômica Federal. Ele explicou que o contrato com essas instituições prevê a antecipação do pagamento total do financiamento, caso não hajam contrapartidas financeiras por parte do governo do Estado."

Controle e Administração

Governo do Estado x Dominó

Os principais acionistas da Sanepar são o Governo do Paraná, com 60% das ações ordinárias, e a Dominó Holdings com 39,71%. A Dominó, por sua vez, tem como acionistas as empresas Sanedo (30% das ações), Opportunity (27,5%), Andrade Gutierrez (27,5%) e Copel (15%). A Sanedo é uma controlada indireta da francesa Vivendi Environnement, a "líder mundial em serviços do meio ambiente" (que está alterando seu nome para "Veolia Environnement").

Como vimos em Contencioso e Diluição, há um acordo de acionistas em vigor que concede à Dominó poderes importantes sobre as operações da empresa. É este o acordo que está sendo contestado pelo acionista majoritário.

O Presidente do Conselho Administrativo é Pedro Henrique Xavier e o Diretor Presidente é Stênio Salles Jacob. Um artigo atribuído à revista Dinheiro afirma que Stêncio Jacob possui "extensa folha corrida" e que Pedro Xavier, "o principal assessor jurídico de Requião, é um dos mandachuvas do Paraná". Não podemos confirmar essas informações.

Sanepar - parte 2

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