RAIO-X DA EMPRESA |
Saraiva Livreiros: alto retorno; preço justo Data: 17/06/02 Preço da PN por 1000 ações: R$ R$ 8510,00 Número de ações: 23.3 MM Setor: Lojas Produtos/Serviços Principais: Edição e venda de livros, CD's, etc. Embora uma das empresas mais rentáveis do mercado, os lucros da Saraiva têm diminuído desde 1996 como resultado de um programa ambicioso de expansão. Mesmo acreditando em uma recuperação, não há indicações que a ação valha muito mais que o preço cotado em bolsa. Preferimos acompanhar de perto, aguardando uma oportunidade melhor.
Tabela de Dados
Introdução
Enganados mas felizes
Felizmente, chegamos tarde à Saraiva. Há muito esta editora e vendedora de livros se encontrava entre as preferências das instituições que se orientavam pelo Value Investing. Com poucos dados à nossa disposição provavelmente fomos enganados pela sazonalidade atípica da empresa.
O atraso permitiu evitar o declínio em lucros registrado desde 1996 - uma tendência acompanhada de perto por uma deterioração na posição financeira da empresa.
Porque ficamos feliz com uma empresa que andou para trás? Três razões: mesmo em marcha à ré a rentabilidade de Saraiva continua alta; é possível que já tenha havido uma inversão na curva de declínio dos lucros; e a ação da empresa se encontra próxima de seu ponto mais baixo dos últimos dois anos e meio.
Vamos aprofundar estas observações preliminares e quantificar a oportunidade, se houver.
História
Meio século de silêncio
A Saraiva Livreiros Editores (a "Editora") teve seu início em 1914, começando a edição de livros jurídicos três anos depois. O próximo evento mencionado pela empresa, meio século mais tarde, é a entrada no segmento de livros didáticos em 1967.
No mesmo ano foram constituídas as controladas Livraria Saraiva e Papelaria Saraiva, fundidas em 1972 sob o nome Livraria e Papelaria Saraiva (a "Livraria").
Virada
Em 1978 houve uma mudança não especificada na administração e a redefinição de prioridades.
Foi decidido concentrar em: i) edição e comercialização de livros educacionais; ii) operações da Livraria, com a preparação de um plano para tornar esta controlada "novamente uma empresa rentável; e iii) participação no programa de vendas de livros didáticos para FENAME (Fundação Nacional do Material Escolar).
Em 1981 o programa foi proclamado um sucesso e a Saraiva Livreiros Editores "passa a ser uma das empresas mais rentáveis do setor, operando sem utilizar recursos de capital de empréstimo".
Mega Store e Internet
A expansão continuou com a entrada no mercado editorial eletrônico para o meio jurídico em 1993, e a inauguração das primeiras duas Mega Stores em 1996, complementando uma rede de 27 lojas convencionais. Em 1998 foi adquirida a Editora Atual e lançado o site de vendas pela Internet, o Saraiva.com.br.
Nos últimos dois anos o grupo tem se concentrado na expansão de sua rede de Mega Stores, fechando várias lojas convencionais que apresentavam baixa rentabilidade.
Em 2001 a empresa lançou um portal jurídico para oferecer produtos e serviços on-line.
Grupo e Controle
Os donos mandam
O estrutura do grupo é simples. A Saraiva Livreiros Editores controla praticamente 100% do capital da única subsidiária, Livraria e Papelaria Saraiva.
O grupo é familiar com Jorge Eduardo Saraiva, Henriqueta da Fonseca Saraiva e Olga Maria Barbosa Saraiva detendo 68% das ações ordinários da controladora. O primeiro é presidente do Conselho de Administração e diretor presidente da empresa, enquanto a segunda é o vice-presidente do Conselho.
Produtos e Vendas
Foco em educação
As operações de editoração do grupo estão sob a responsabilidade da Editora. Da receita total da empresa, 73% vem de livros didáticos e "paradidáticos" e 24% de livros jurídicos. Os produtos jurídicos informatizados geram somente 1%.
Coffee & Books
A Livraria administra "a maior rede de livrarias do país em volume de vendas". Atualmente existem 31 lojas, 12 das quais são Mega Stores. Extensivamente informatizadas, as lojas vendem livros, CD's, DVD's, softwares, vídeos, brinquedos e itens de papelaria.
O conceito da "Mega Store", tipicamente localizada em shopping, inclui amplo espaço de vendas, grande acervo de livros e CD's (com os CD's expostos em um "Music Hall"), pequena seção de papelaria, algumas mesas e cadeiras para clientes, consultas informatizadas e cafeteria com microcomputadores ligados à Internet.
A Livraria é também líder nacional de vendas de livros e CD's via a Internet. Aproximadamente 6% de suas compras são efetuadas junto à Editora.
Editora ganha, Livraria gasta
Embora as receitas das duas empresas sejam praticamente iguais, todo o lucro do grupo foi contribuído pela Editora em 2001. De fato, os prejuízos da Livraria vieram de suas vendas on-line; as lojas físicas geraram um pequeno lucro.
Volta às aulas
Os lucros do grupo apresentam forte sazonalidade, com o lucro do primeiro trimestre, a época de "volta à aulas", superando o do quarto trimestre em cerca de 100%. Nos últimos dois anos, pelo menos, houve prejuízos no segundo e terceiro trimestres.
Análise de Múltiplos
Números distorcidos
Lembramos que os valores e indicadores apresentados na Tabela de Dados estão distorcidos por diversos fatores, em particular a inflação e variações cambiais. Usamos "dólares ajustados" para facilitar comparação entre o período a partir de 1999, fortemente impactado pela desvalorização, e o período anterior.
Além dos dados exibidos temos à nossa disposição dados referentes aos anos 1990-92.
Expansão fantástica de vendas
Desde 1990 estimamos que as vendas consolidadas têm se expandido à taxa 21,5% aa. Os lucros, crescendo a somente 8,5% aa, não acompanharam esta expansão fantástica.
A disparidade entre as duas taxas é parcialmente explicada pelo fato de os lucros apresentaram tendência de queda a partir de 1996, enquanto as vendas continuaram a crescer a 12% aa. Há uma correlação clara entre os lucros declinantes e a dívida líqüida em ascensão.
Passo maior que a perna?
Uma visão otimista da situação é que a empresa investiu fortemente no crescimento e os lucros potenciais das novas instalações ainda não foram atingidos. Uma visão pessimista é que a empresa deu um passo maior que a perna. A redução da dívida líqüida em 2001 é um sinal positivo.
Seja qual for a interpretação correta, há poucas empresas que igualem a impressionante média histórica de Retorno sobre o Patrimônio Líqüido da 18% da Saraiva.
Reação exagerada
Passando para os indicadores atuais, verificamos que o retorno atual é 17% abaixo da média histórica. O fato de o Preço/Lucro e Preço/Patrimônio Líqüido estarem 30% e 40%, respectivamente, abaixo de suas médias do fim dos últimos três anos, parece uma reação exagerada a esta situação.
É possível que haja um desconto, mas não tendo acesso a indicadores antes de 1999, não temos certeza de sua consistência. Comparados com as médias do mercado os dois indicadores não podem ser considerados baratos.
Cálculo do Valor Intrínseco
Reversão de tendência
Temos que supor que a expansão sustentada de vendas gerará uma retomada da expansão de lucros. E até possível que o resultado de 2000 já represente o início desta nova tendência. Assim, para nosso cálculo do valor intrínseco da empresa vamos examinar uma faixa de taxas alternativas de crescimento de lucros e dividendos para a próxima década.
Adotamos como o máximo da faixa a taxa de 11%, um ponto abaixo da expansão de vendas nos últimos 6 anos. Como o mínimo usamos 8%, meio ponto abaixo da taxa histórica de crescimento de lucros. Consideramos que a taxa histórica é relativamente conservadora porque inclui o período recente de declínio em lucros.
Em todos os casos considerados supomos que a taxa de crescimento caia para 5% aa a partir do décimo primeiro ano.
Payout problemático
Para o lucro base vamos adotar a média dos últimos dois anos: R$12,9MM. Mais problemático é o payout. Embora a média dos últimos dois anos seja de 63% é possível que a porcentagem tenha sido aumentada em função do baixo nível dos lucros. Certamente foi o caso em 1999 quando o payout foi de 125%. Como a média dos anos 1995-98 foi de 48%, resolvemos considerar um payout de 50%.
Aplicando uma taxa de desconto de 9,5%, calculamos o valor intrínseco da Saraiva para taxas de crescimento de lucro e dividendos de 8%, 9,5% e 11%. E para poder investigar o efeito do nível do payout repetimos os mesmos cálculos com taxas de payout de 55% e 65%.
Sensibilidade testada
A Margem de Segurança é a porcentagem pela qual o valor intrínseco ultrapassa o valor do mercado de R$198MM (o preço da ação x o número de ações). Calculamos a Margem para cada combinação de premissas e apresentamos os resultados na Tabela de Sensibilidade abaixo.
Nem chegamos perto
Precisamos de uma Margem de pelo menos 40% para tornar o investimento atraente. A tabela mostra que nem chegamos perto com nossa premissa básica de um payout de 50%. E se consideramos um payout de 55% só conseguimos a margem procurada com a taxa de crescimento máxima da faixa.
Discussão
Probabilidades; não possibilidades
Consideramos nosso Cálculo do Valor Intrínseco da empresa como conclusivo. É possível que vejamos uma expansão de lucros de 11% ao longo dos próximos 10 anos e um payout médio de 55%, mas há uma boa chance de a empresa não cumprir estas condições.
Tentamos basear nossos investimentos em probabilidades, não possibilidades.
De fato, existem problemas concretos que podem complicar a recuperação da empresa nos próximos anos.
Dívida pressiona
No fim de 2001 a Saraiva tinha uma dívida total de R$46MM, equivalente a 53% do valor patrimonial da empresa. Empréstimos em moeda estrangeira representavam 52% do total. Não há dúvida que a continuação da desvalorização do real em 2002 pressionará de novo os resultados da empresa.
É preocupante a administração da empresa, após passar por problemas no fim dos anos 70, e aprender minimizar o uso de dinheiro emprestado, ter voltado a se endividar pesadamente duas décadas depois.
Mega dúvida
Existe também a questão da Mega Store cujo conceito é nova na empresa. A rentabilidade final da loja é desconhecida e depende da expansão da rede para poder obter economias de escala e aplicar as lições aprendidas com lojas existentes.
Finalmente, há os prejuízos gerados pelas vendas on-line da Livraria. Como o site já está no quarto ano de operação parece hora de o segmento dar uma volta por cima.
Recomendação
A Saraiva possui grandes qualidades, incluindo uma expansão histórica de vendas impressionante e uma rentabilidade entre as mais altas do mercado, mas não há indicações firmes que o preço cotado em bolsa ofereça um desconto - muito menos o grande desconto que procuramos.
Preferimos aguardar condições mais favoráveis, acompanhando de perto a posição financeira da empresa.
Observamos que o papel apresenta liqüidez de negociação relativamente baixa, com uma média de duas transações por dia.
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