RAIO-X DA EMPRESA
Comgás: Alto endividamento asfixia crescimento?
Código: CGAS5
Data Base: 17/04/09
Preço da ação ON: R$ 32,65 Número de ações: 119,82 MM
Ibovespa: 45778
Setor: Gás Natural
Produtos/Serviços Principais: Distribuição de gás natural canalizado

A Comgás, distribuidora de gás natural, possui uma concessão atraente e comercializa uma fonte energética de reduzido impacto ambiental. Sua rede é conectada às imensas reservas bolivianas enquanto outras grandes reservas estão sendo desenvolvidas no Brasil. Seus controladores são "players" internacionais de grande experiência.

Desde sua privatização em 1999 a empresa tem mostrado melhora progressiva em receitas, lucros, retornos e margens. Mas há um problema: observa-se uma desaceleração, igualmente progressiva, na taxa de expansão do volume de gás fornecido ao longo dos últimos 7 anos.

As contradições dificultam uma estimativa do preço intrínseco da empresa. Mas, estamos razoavelmente confiantes que a premissa de crescimento de lucro necessária para obter o desconto procurado, de um terço, é otimista demais. Assim, não recomendamos a compra das ações da empresa no preço atual.

Embora o lucro de 2008 ofereça boa cobertura de despesas financeiras há fortes sinais que o alto endividamento e baixa liquidez estão asfixiando o crescimento da empresa.

Introdução

A realidade e a realidade dos números

Detentora de uma concessão para distribuir gás natural canalizado no estado de São Paulo, os números da Comgás, à primeira vista impressionam. Seu registro histórico, desde o início da concessão em 1999, mostra forte expansão de receitas, lucros, retornos e margens.

Foi isso, ao lado do bom posicionamento do papel da empresa em filtragens preliminares (as 100MAIS e as empresas que mais crescem) que nos atraiu à empresa. Também imaginávamos que a empresa era relativamente não cíclica.

Ao longo da análise descobrimos que a realidade - ou, pelo menos a realidade refletida nos números - é um pouco diferente.

Tabela de Dados

                                    (milhões de dólares ajustados)  
                                                                         
Ano            2000  2001  2002  2003  2004  2005  2006  2007  2008 2009P
=========================================================================
Gás Vendido m3       2243  2952  3418  3812  4342  4761  5069  5253     -
Expansão anual %        -  31.6  15.8  11.5  13.9  10.0   6.5   3.6     -
Investimento                        -   280   473   426   397   403     -
-------------------------------------------------------------------------
Receita Liq.    384   579   748  1051  1114  1194  1372  1420  1665     -
Lucro Liquido    33    43    64    56   121   152   197   196   215   185
Pat.Liquido     604   552   524   493   474   419   485   476   475   475
No.Acoes MM    1982 11982 11982 11982 11982 11982 11982   120   120   120
-------------------------------------------------------------------------
Lucro/P.Liq. %  5.4   7.8  12.1  11.3  25.6  36.2  40.7  41.2  45.2  39.0
Preco/Lucro x  30.3  17.1   5.9  20.7  13.1   9.5   9.9  10.6   7.7   8.8
Preco/P.Liq. % 63.1 132.3  71.7 235.2 334.6 344.3 404.0 436.9 348.5 344.0
Margem Liq. %   8.5   7.4   8.5   5.3  10.9  12.7  14.4  13.8  12.9     -
Yield (Divi/Preco) %                                                  2.8
Payout (Divi/Lucro) %                                                25.1
Lucro/Cap.Invest. %     -     -     -     -     -     -  19.7  19.2     -
Liquidez Corrente x     -     -     -     -   0.7   0.8   0.7   0.8     -
Div.Liq/Pat.Liq. %   69.0  69.0  67.0  79.0  89.0  97.0 109.0 136.0     -
-------------------------------------------------------------------------
P - Projetado         Retorno/Patrimônio Líq baseado no último PL disponível do ano (e não do
início  do ano); Preço/Lucro baseado no fim do ano para períodos encerrados e no preço atual
para períodos não encerrados; dados até  31/12/98  convertidos  em  US$ pelo câmbio do fim do
ano em questão, dados a partir de 31/12/98 convertidas pelo câmbio do 31/12/98 (US$1=R$1,21),
após reajustamento pela inflação. Somente as receitas e os indicadores financeiros se referem
aos balanços consolidados.

Breve História da Empresa

1872 - A inglesa San Paulo Gas Company obtém concessão para fornecer serviços públicos de iluminação de São Paulo

1912 - Controle da empresa passa para a canadense Light

1959 - Empresa é nacionalizada como a Cia Paulista de Serviços de Gás

1968 - A administração passa para o município de São Paulo e a empresa se torna, como Cia Municipal de Gás ou Comgás, sociedade anônima

1984 - O controle da empresa, agora denominada Cia de Gás de São Paulo, passa para a estatal CESP

1997 - A Comgás é listada na Bovespa

1999 - O controle da empresa, agora com rede de distribuição de 2.534 km e 314.000 clientes, é arrematado por um consórcio formado pelos grupos British Gas (BG) e Shell, por R$ 1,65BN

2006 - Foco muda para a pulverização da rede para atingir mais usuários residênciais e o pequeno comércio

2007 - Rede de distribuição atinge 5.255 km e há 572.000 clientes.

Controle e Administração

Minoritários possuem influência restrita

A Comgás é controlada pelos Grupos Shell e BG através das holandesas Integral Investments NV, que detém 87,87% das ações ordinárias, e da Shell Brazil Holdings BV, que detém 8,09% das ordinárias. Tanto Shell quanto BG são grandes grupos internacionais de grande experiência no setor energético.

Além de possuírem 95,96% das ações votantes as duas empresas comandam pouco mais de 78,25% das ações totais. Em outras palavras, os acionistas minoritários possuem influência restrita junto aos majoritários.

Luis Augusto Domenech é o Diretor Presidente e Sérgio Luiz da Silva o Diretor Vice Presidente e Superintentente.

Últimos Resultados

Ano de 2008

Receitas disparam com reposição de custos

Para variar, e para analisar a evolução das contas da Comgás ao longo de um prazo maior, comparamos os resultados de 2008 com os de 2006 (e não 2007). Ao longo dos dois anos a receita bruta aumentou 33,6%, o lucro líquido 20,3% e o volume de gás vendido somente 10,3%.

Fica claro que a disparidade entre o crescimento da receita e do lucro se deve ao aumento de 39,8% no custo de vendas no período. É notável que praticamente todo este aumento tenha ocorrido em 2008. A empresa explica que "A alta volatilidade no preço do petróleo observada em 2008, aliada à depreciação do real frente ao dólar, resultou num aumento expressivo do custo do gás."

Foi autorizado um reajuste extraordinário das tarifas mas isso só teve efeito a partir de 20/12/08, tarde demais, portanto, para influenciar o resultado do ano.

Volume vendido desacelera em 2008

Quanto à defasagem entre a receita e as vendas físicas, observamos que essas últimas só cresceram 3,6% em 2008, muito abaixo da expansão média de quase 13% aa dos últimos 7 anos. O raiz do problema é a queda de 2,6% no ano no fornecimento de gás ao segmento industrial. Em seu Relatório Anual a empresa informa que "o último trimestre foi afetado pela queda da produção industrial, provocada pela crise financeira internacional".

Mas como explicar o aumento de 23,7% na receita em 2008? O único variável disponível que conhecemos é o reajuste da tarifa. Mas um reajuste de quase 20%? A empresa não comenta em seu Relatório.

Segmento industrial sinaliza queda em 2009

É preocupante a sinalização dada pela queda de 2,6% no fornecimento de gás ao segmento industrial. O segmento é importante, sendo responsável por 73% do fornecimento físico da empresa. Boa parte da queda, conforme informa a empresa, ocorreu no quarto trimestre. Neste caso, a porcentagem da queda neste trimestre, na comparação com o quarto trimestre de 2007, deve ter sido pelo menos 10,4% (4 x 2,6%).

É notável que setores fortemente atingidos pela crise - automóveis, metais/fundição, papel e celulose e siderúrgia - representam mais de 60% do segmento industrial da Comgás. Este fato tem importantes implicações negativas para o resultado de 2009.

Posição financeira merece atenção

Os indicadores de solvência e liquidez da Comgás parecem, à primeira vista, no limite. Por outro lado, as despesas financeiras são cobertas 5,4x pelo lucro antes do imposto da renda, uma cifra folgada. Há ainda a suspeita que o indicador de solvência - dívida líquida/patrimônio líquido - está inflada por um numerador abnormalmente baixo.

Embora somente 14,5% do endividamento sejam denominados em moeda estrangeira, parte da razão da piora desde 2007 se explica pela desvalorização do real. Contribuindo para a baixa liquidez é o fato que 38,8% da dívida vence no curto prazo.

Análise da Demonstração do Fluxo de Caixa não é tranquilizadora. Observamos que o caixa gerado pelas atividades operacionais de 2008, após deduzir dividendos, cobriu pouco mais da metade dos investimentos do ano. Isso significa que a manutenção do nível de investimentos de 2008 inevitavelmente trará aumento adicional no endividamento. Notamos, com surpresa, que a empresa refinanciou praticamente toda sua dívida durante o ano.

Tecemos mais comentários sobre a posição financeira na próxima seção mas, desde já, fica claro que a mesma merece atenção.

Sem explicação

Ao tentar esclarecer outros aspectos da Demonstração do Resultado nas Notas Explicativas da empresa (o ágio na incorporação e as depreciações e amortizações classificadas em outras despesas operacionais) não tivemos sorte.

Negócio

Área de operações abriga 30% do PIB

Em 2007, a Comgás "distribuiu 14 milhões de m³ de gás natural diariamente, acima de 25% do mercado total das vendas de gás natural do País. Sua concessão abriga cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, abrangendo 177 municípios das regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas, além da Baixada Santista e do Vale do Paraíba." A empresa tem mais de 680M clientes.

Em 2008, a participação, por segmento, no volume total de gás vendido pela Comgás foi a seguinte: industrial 73,4%, veicular 10,0%, termogeração 6,3%, cogeração 5,8%, residencial 2,6% e comercial 1,9%.

Termos da concessão

As atividades da Comgás são sujeitas à regulamentação da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (ARSESP). O contrato de concessão, que se iniciou em maio de 1999, é de 30 anos, "com a possibilidade de renovação uma única vez por mais 20 anos". Atualmente 75% do gás distribuído vêm da Bolívia, trazida pelo gasoduto Bolívia–Brasil.

Com relação às tarifas, "As diferenças entre os preços e os custos que compõem a tarifa da Comgás, aprovada pelo órgão regulador, e os custos efetivamente despendidos pela Companhia na compra dos insumos são contabilizados em uma “conta-corrente regulatória” que, periodicamente devem ser repassadas na forma de acréscimos ou descontos às tarifas cobradas dos consumidores de gás natural." A data do reajuste é 31 de maio de cada ano.

Perspectivas setoriais positivas

Neste momento o gás natural representa 9,6% da matriz energética brasileira. "As perspectivas para o consumo do gás natural no Brasil são positivas para os próximos anos, tanto por ele ser um combustível ambientalmente limpo, como por causa da expansão da rede promovida pelas empresas distribuidoras, notadamente a Comgás. Por fim, a descoberta de novas reservas de gás natural no país tende a elevar sua participação na matriz energética nacional."

A Petrobrás, em seu Plano de Negócios 2008-2013, projeta que o consumo de gás natural no país aumentará de 58MM m3 para 135MM m3 no período - uma taxa de expansão de 18,5% aa! É uma cifra difícil de acreditar.

Comgás - parte 2

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