Warren Buffet: margens de segurança e ganhos extraordinários

"Estou cada vez mais convencido que o método correto em investimento é investir somas relativamente grandes em negócios que se pensa que entende e em cuja administração se tem fé total. É um erro imaginar que se limita o risco quando se distribui fundos entre empresas que pouco conhece e em cuja administração não se tem nenhuma razão particular para ter confiança especial". - Maynard Keynes

"Mesmo com uma margem de segurança agindo a favor do investidor, uma ação individual ainda pode sair mal. De fato, a margem só garante que a chance de o investidor ter lucro é melhor que a chance de perder - ela não significa que perda é impossível. Mas na medida em que o número de ações individuais na carteira, possuindo margens positivas, aumentar, mais certo é que o total dos lucros excederão o total dos prejuízos. A constatação é a base da indústria de seguros." - Benjamin Graham

Diversificação x Concentração revisitada
Como introdução ao terceiro artigo sobre o pensamento do papa atual da escola de investimento em valor ("value investment"), Warren Buffet, relembramos um fato importantíssimo: no campo de investimento, diversificação entre muitas ações, ou concentração entre poucas, não são técnicas opostas. Simplesmente se aplicam a situações diferentes.

Grau de conhecimento é a chave
O mentor de Warren Buffet, Benjamin Graham, recomenda diversificação para um pequeno investidor cujo conhecimento de suas empresas não vai muito além de um conjunto limitado de dados de fácil acesso, tipicamente os demonstrativos financeiros anuais e comentário em jornais e revistas de grande circulação. A técnica de concentração utilizada por Warren Buffet (que citou com aprovação as palavras de Keynes acima), ao contrario, se baseia em seu conhecimento profundo de cada um de seus poucos investimentos.

Curso de investimento
Por que razão, então, este boletim dá tanto atenção a Buffet? Porque o conhecimento de suas técnicas representa um virtual curso de investimento. E mesmo que não se recomende a concentração ao pequeno investidor defensivo, é fundamental entender o conceito - pelo menos para enfatizar a importância da diversificação.

É Hagstrom quem desvenda os mistérios
Nossa exposição é baseada no livro de Robert G Hagstrom Jr, The Warren Buffet Way. Hagstrom agrupa os "princípios" de Buffet em quatro categorias:

1. As características do negócio;
2. As características da administração;
3. Os critérios financeiros;
4. Os critérios de mercado.

No artigo anterior consideramos As características do negócio e As características da administração, neste vamos dar uma olhada em Os critérios financeiros e Os critérios de mercado.

3. Critérios Financeiros

i) Enfoque em retorno sobre patrimônio líquido, não lucro por ação.
ii) Utilização de "lucro do dono" para ter uma idéia melhor do valor gerado.
iii) A procura de empresas com altas margens de lucro.
iv) Para cada dólar de lucro reinvestido, a verificação que a empresa consegue gerar pelo menos um dólar de valor de mercado.

. i) Retorno sobre patrimônio líquido

Avaliação de gerenciamento econômico
Buffet afirma que "O mais importante, na avaliação do gerenciamento econômico de uma administração, é julgar seu sucesso em conseguir uma alta taxa de retorno sobre o capital social empregado (sem alavancagem excessiva, truques contábeis, etc) - e não sua habilidade em produzir ganhos consistentes em lucro por ação".

Resultado em estado puro
Antes de utilizar o retorno sobre o capital social empregado (ou retorno sobre patrimônio líquido) para avaliar uma empresa, Buffet efetua uma série de ajustes. Primeiro, ele utiliza a média dos retornos obtidos ao longo de 5 ou mais anos. Segundo, ele considera o preço de custo (e não de mercado) de títulos negociáveis. Terceiro, ele exclui ganhos e perdas financeiras e itens extraordinários (despesas ou receitas que não vão se repetir). Os ajustes têm como objetivo isolar a parte do resultado obtido que depende unicamente do desempenho da administração da firma.

Antipatia por dívida
A citação do Buffet deixa clara sua aversão por endividamento excessivo. Ele considera que "sem a ajuda de alavancagem (empréstimos), boas decisões, tanto de investimento, quanto no gerenciamento do negócio, resultarão em um desempenho perfeitamente satisfatório". Sua antipatia por dívida vem do risco corrido por companhias altamente alavancadas em épocas de retração econômica.

Comportamento suspeito
Embora ele não sugira quais os níveis de endividamento aceitáveis, a posição do Buffet se resume na afirmação que uma boa empresa deveria ter a capacidade de produzir um bom retorno sem dívida. Em contrapartida, companhias que dependem de endividamento significativo para obter um bom retorno deveriam ser tratadas com suspeição.

ii)"Lucro do dono"

Lucro contábil tem limitações
Elaborar uma projeção do lucro por ação contábil é somente o ponto de partida na determinação do valor econômico de um negócio. Buffet avisa que os resultados apresentados por empresas, cujos ativos possuem um valor grande em comparação com seu lucro, nem sempre refletem o verdadeiro desempenho da firma. Nestes casos, como os efeitos da inflação freqüentemente distorcem os números, o lucro contábil só tem valor quando se aproximar do fluxo de caixa da companhia.

Esqueceram dos investimentos!
Mas mesmo o fluxo de caixa não é sempre o ideal. De acordo com Buffet, embora adequado para avaliar negócios envolvendo grandes investimentos iniciais e despesas menores mais tarde (como imóveis e campos de petróleo), não é apropriado para empresas manufatureiras cuja necessidade de investimento é contínua. Normalmente, o fluxo de caixa de uma firma é definido como lucro líquido + depreciação + exaustão + amortização + outros descontos não envolvendo dinheiro. Quer dizer, um item importante - investimentos - é excluído do cálculo.

Investimentos = depreciação
Buffet calcula que o valor dos investimentos de 95% das empresas americanas é aproximadamente equivalente a seu custo de depreciação. Isso significa que um valor substancial é desconsiderado. Em vez de fluxo de caixa, Buffet utiliza o que ele chama "o lucro do dono" ("owner earnings"). O "lucro do dono" é lucro líquido + depreciação + exaustão + amortização - investimentos - aumento no capital de giro.

iii) Margens de lucro

Treinar a respiração
"O verdadeiro bom administrador não acorda de manhã é diz 'Hoje vou cortar custos', da mesma maneira que ele não acorda e decide treinar a respiração". Conforme Buffet, os administradores de operações de alto custo sempre encontram um maneira de carregar ainda mais a estrutura de custos - enquanto administradores de operações de baixo custo sempre conseguem uma maneira de cortar despesas.

iv) O Teste de Um Dólar

Criar valor com o dinheiro do acionista
Este teste, desenhado por Buffet, procura avaliar até que ponto uma administração tem conseguido criar valor para o acionista. O teste utiliza a observação que, no longo prazo, o valor de uma empresa em bolsa tende a acompanhar o valor do negócio. No caso das empresas procuradas por Buffet, o aumento em seu valor de mercado, em um determinado período, deve ser pelo menos igual ao valor do lucro reinvestido.

4. Critérios de Mercado

i) Determina o valor intrínseco.
ii) Compra a um preço atraente.

i) Determina o valor intrínseco

Há valores e valores
De acordo com o livro de Hagstrom, tradicionalmente há três maneiras de estabelecer o valor de uma empresa. O valor de liquidação é o estimado valor obtido se todos os ativos forem vendidos e as obrigações saldadas. O valor do mercado, no caso de uma empresa listada, é o valor imputado pelo preço de negociação em bolsa. E o valor como uma unidade operacional é o estimado valor atual dos fluxos de caixa que o dono espera receber da empresa no futuro.

Exercícios matemáticos
Buffet considera o último procedimento como o melhor. Embora uma exposição do Método de Fluxo de Caixa Descontado seja fora do escopo do artigo atual, o cálculo em si é um simples exercício matemático. Mais difícil é estimar os fluxos de caixa futuros, e escolher o fator de desconto apropriado.

Os fluxos de Bill Gates
Se Buffet não consegue projetar os fluxos de caixa futuros de uma empresa com um grau razoável de segurança ele a rejeita como investimento. Ele admite, por exemplo, que não tem a menor idéia como projetar os fluxos de caixa da Microsoft. No entanto, se o negócio é "simples e compreensível" e tem "uma história de operações consistente", ele consegue determinar os fluxos com bastante precisão.

Ignorância é risco
Para o fator de desconto, o Buffet adota a taxa oferecida pelo bônus de longo prazo emitido pelo tesouro americano. Como este bônus é garantido pelo governo dos Estados Unidos, é considerado virtualmente sem risco. Críticos argumentam que deve-se adicionar um prêmio de risco. Buffet responde que sua técnica evita risco financeiro porque rejeita empresas altamente endividadas, e evita risco do negócio porque só considera firmas cujos resultados são consistentes e previsíveis. Como diz: "Coloco muito ênfase em segurança. Se se fizer isso, toda a idéia de um fator de risco faz pouco sentido. O risco aparece quando não se sabe o que se está fazendo".

ii) Compra a um preço atraente

Margem de segurança - seu melhor amigo
Foi Benjamin Graham quem ensinou a Buffet a importância de só comprar uma ação se, entre seu preço e seu valor intrínseco, existir uma significativa margem de segurança. Para Buffet, esta margem de segurança tem duas funções: protege contra perda em casos onde o valor intrínseco foi subestimado; e, se identificar corretamente uma empresa com um retorno acima da média, fornece uma oportunidade para ganhos extraordinários.

Conclusão

O pulo do gato
Concluímos aqui duas séries de artigos tratando de duas das figuras mais importantes deste século no campo de investimento em ações. Mas concluímos mesmo? Imaginamos que a reação de muitos leitores não profissionais seria: "Muito interessante mas faltou o pulo do gato: como é que se calcula, exatamente, o valor intrínseco de uma empresa"!

Ciência de foguetes
Mesmo que o procedimento utilizado por Graham, o Método de Fluxo de Caixa Descontado seja um pouco técnico, não vamos fugir da raia. Inclusive, como veremos na exposição de Hagstrom, Buffet emprega um atalho bem simples em muitos casos. Se tivermos disposição suficiente, atacaremos a questão no mês que vem.
3/3/99

Índice do Arquivo I Primeira Página