Warren Buffet: procura-se uma "franquia" com administração honesta

A marcha para cima da carteira
Como vimos no artigo anterior, o mega-investidor Warren Buffet investe em negócios não em ações: "junte uma carteira de empresas cujos lucros marcham para cima ao longo dos anos, e o valor de mercado da carteira marchará junto." Assim, ele não se preocupa com o movimento dos preços de suas ações, mas com as vendas, lucros, margens e necessidades de capital de suas empresas. O que é que o Buffet procura quando analisa seus investimentos em potencial?

O Caminho Warren Buffet
Em seu livro The Warren Buffet Way, Robert G Hagstrom Jr agrupa os "princípios" do expoente de investimento em valor (value investment) em quatro categorias:
1. As caraterísticas do negócio;
2. As caraterísticas da administração;
3. Os critérios financeiros;
4. Os critérios de mercado.

Neste artigo, seguindo de perto a exposição excelente do Hagstrom, vamos descrever as duas primeiras destas categorias.

1. Caraterísticas do Negócio

i) O negócio é simples e compreensível?
ii) O negócio tem uma história de operações consistente?
iii) O negócio possui perspectivas favoráveis de longo prazo?

i) Simples e Compreensível

Círculo de competência
Na opinião de Buffet, o sucesso de um investidor é proporcional ao grau de compreensão ele tem do negócio em que está investido. É um ponto de vista que o discrimina de operadores que, entrando e saindo do mercado, perseguem retornos rápidos com base em movimentos de mercado de curto prazo. Mesmo que Buffet tenha investido em uma grande diversidade de negócios, ele procura limitar suas seleções às que considera dentro de seu círculo de competência.

Importante é evitar os grandes erros
Seus críticos afirmam que, com esta abordagem, Buffet se isola das indústrias com o maior potencial. Ele responde que o importante, ao contrário, é "evitar os grandes erros". Se conseguir isso "um investidor precisa acertar pouca coisa" para ter sucesso.

ii) Uma História de Operações Consistentes

Mudanças aumentam o risco
Além de evitar negócios complexos, Buffet passa longe de firmas mudando de direção em conseqüência do fracasso de uma estratégia anterior, ou tentando solucionar sérios problemas operacionais. Ele acredita que os melhores retornos vêm de empresas que têm oferecido os mesmos produtos ou serviços por vários anos seguidos. Grandes mudanças aumentam o risco de erros na condução do negócio.

Reviravolta que não vira nem volta
Este posicionamento contrasta com o atitude de investidores atraídos pelas promessas de reestruturações corporativas. Na experiência de Buffet turnarounds (empresas que passam de quase-falência para lucro) dificilmente se recuperam de fato: não "aprendemos como solucionar problemas operacionais complexos. Aprendemos, sim, evitá-los".

iii) As Perspectivas Favoráveis de Longo Prazo

Franquia possui poder de mercado ...
Aqui Buffet discrimina fundamentalmente entre "franquias" e negócios envolvendo commodities. Na definição dele, uma franquia é um negócio baseado em um produto ou serviço que é: 1) necessário ou desejado; 2) não é facilmente substituído; 3) não é sujeito a regulamentação. Estas qualidades permitem que uma franquia aumente preços sem perder participação de mercado, garantindo assim um retorno sobre capital investido acima da média.

... e alguma proteção contra inflação
Uma outra característica de uma franquia é o grande valor do "goodwill" econômico (valor intangível do negócio - como as marcas possuídas pela empresa). Isso fornece um grau de proteção contra inflação (porque o investimento em novos equipamentos a preços inflacionados representa uma porcentagem menor do valor total da empresa).

Commodity é vítima do mercado
Em contraste, uma commodity vendida por uma firma é praticamente idêntica aos produtos de seus competidores. No passado petróleo, gás, químicos, soja, minério de ferro e suco de laranja eram commodities. Hoje a lista inclui computadores, automóveis, transporte e serviços bancários. Buffet considera que negócios baseados em commodities, como só podem competir na base de preços, vivem sob a ameaça de quedas sérias em margens. Por isso são "fortes candidatos a problemas com lucros". Só podem faturar alto quando o fornecimento for apertado. E tais períodos normalmente duram pouco.

Franquia vira commodity
Mas uma franquia também não dura para sempre. Seu sucesso atrai outros empresários que começam a produzir substitutos. Uma franquia forte se torna, sucessivamente, uma franquia fraca, um negócio forte e, no fim, até um negócio de commodities. Mas é importante observar que, enquanto uma franquia se mantiver, será suficientemente forte para sobreviver a uma gestão incapaz. Não é o caso de um negócio de commodities.

2. Caraterísticas da Administração

i) A administração é racional?
ii) A administração é franca com as acionistas?
iii) A administração consegue resistir ao imperativo institucional?

i) Racionalidade

A alocação de capital pela lógica
O ato mais importante da administração de uma empresa é alocar o capital disponível. É esta alocação que determina o valor do investimento do acionista. A decisão entre reinvestir lucros na empresa ou devolvé-los ao acionista é, na visão de Buffet, um exercício de lógica e racionalidade.

Ciclo de vida
A decisão depende de onde a empresa se encontra em seu ciclo de vida. No início, enquanto desenvolve produtos e estabelece mercados, uma firma gera prejuízos. Na etapa seguinte, de crescimento acelerado, a empresa tem dificuldade em se financiar. Freqüentemente é obrigada a recorrer a empréstimos ou emitir ações. Aí vem a maturidade, quando a firma começa a gerar mais dinheiro do que precisa para financiar suas operações. Aqui, mesmo que vendas e lucros estejam em declínio, a empresa continua a gerar um superávit de caixa.

Mas lógica nem sempre se pratica
É nas últimas duas etapas, particularmente na penúltima, que a questão de alocação de recursos torna-se crítica. Se, ao serem reinvestidos na empresa, os fundos excedentes podem gerar um retorno acima da média, pela lógica, todos os lucros deveriam ser reinvestidos. Do outro lado, reinvestir lucros para obter um retorno abaixo do custo médio do capital é claramente irracional. Infelizmente é também comum.

Otimização de rentabilidade
Se uma empresa não oferecer um retorno satisfatório sobre fundos reinvestidos ela tem duas alternativas: adquirir uma outra companhia que oferece uma taxa de crescimento melhor, ou devolver dinheiro para seus acionistas. São as decisões tomadas neste ponto que define, para o Buffet, se a administração é racional ou não.

Porque aplicar em fundo se a empresa dá mais?
É interessante enfatizar alguns aspectos da questão de alocação de recursos do ponto da vista do acionista. Se dinheiro reinvestido na empresa gera mais retorno para o acionista (em termos de ganho de capital) que suas outras aplicações (em fundos etc.), é melhor que todo o lucro da firma seja reinvestido, e nada distribuído em forma de dividendo. A firma do Buffet, Berkshire Hathaway, com a concordância dos acionistas, não paga dividendos.

Buyback ou dividendo?
Se não é interessante reinvestir lucros, a firma pode escolher entre duas alternativas para poder devolver dinheiro para os acionistas: pode aumentar o nível do dividendo, ou pode comprar suas próprias ações (um operação de buyback) para cancelamento posterior. A segunda alternativa tem o efeito de aumentar o preço das ações que continuam no mercado (porque o mesmo lucro será distribuído entre menos ações). Também provoca efeitos positivos secundários: manda sinais para o mercado de confiança no futuro do negócio e de consideração para com os interesses dos acionistas.

ii) Franqueza

Apontar sucessos, admitir erros
O Buffet dá muito importância à franqueza da administração de uma empresa. Para ele, uma administração franca é uma que relata a performance financeira da companhia de maneira honesta e completa. Ele admira uma administração que, além de apontar sucessos, admite erros. Ele não respeita administrações que escondem informações atrás das regras de contabilidade. Por exemplo uma empresa pode juntar os resultados de diversos negócios em um só conjunto de números, impossibilitando uma análise de cada um individualmente. Para Buffet os demonstrativos financeiros devem permitir que um analista obtenha respostas a três perguntas. Quanto, aproximadamente, vale a firma? A firma pode cumprir suas obrigações futuras? Qual é o desempenho dos administradores?

iii) O Imperativo Institucional

Automatismo, hiperatividade, puxassaquismo e macaquismo
O imperativo institucional, na opinião de Buffet, se manifesta em três formas: resistência em alterar a direção da empresa, mesmo que haja um naufrágio à vista; a compulsão, devido a uma ânsia de executivos de agirem, de inventar projetos ou aquisições que absorvam os fundos disponíveis; o fato que subordinados rapidamente produzem estudos que apoiam qualquer capricho do líder; e a tendência de companhias imitarem, impensadamente, seus pares, seja em matéria de expansão, aquisições e remuneração de executivos, seja em outras áreas.

Ainda tem mais!
Em nosso último artigo sobre Buffet, trataremos dos critérios financeiros e dos critérios de mercado que ele procura quando analisa seus investimentos em potencial.
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