Ações ordinárias dão dividendos extraordinários?
Primeiro em Ação & Reação
Este mês temos um assunto mais técnico mas de vital importância para o pequeno investidor. Se tiver dificuldade em acompanhar todos os detalhes por causa da terminologia pelo menos leia as CONCLUSÕES. Uma outra observação: não vimos esta questão discutida em qualquer outro lugar - Ação & Reação a apresenta em primeira mão.

As ON à metade do preço
No dia 31 de março, a Embratel ON custou, em média, somente 51% do preço da Embratel PN. No caso das ações ordinárias de Celesc, Tele Norte-Leste, Telesp, Telebrás (recibo), Telerj, Telesp C e Copel, os percentuais foram, respectivamente, 51%, 52%, 61%, 60%, 60%, 64% e 65%. Se o lucro por ação das ordinárias e das preferenciais é idêntico porque todo mundo não compra as ON por quase uma metade do preço das PN e recebe o dividendo em dobro?

Ignorância é uma fria
A resposta não é complicada mas envolve um pouco de pesquisa, algum conhecimento de balanços, e umas somas simples. Vale a pena tentar acompanhar porque a explanação revela uma oportunidade muito interessante para o pequeno investidor. Além disso, se não entender do assunto, é capaz de entrar numa fria ao comprar uma ON. Então vamos lá: há duas razões para as discrepâncias observadas.

Poder dando sopa por aí
Primeiro, normalmente é mais difícil comprar ou vender as ON do que as PN. A explicação mais óbvia é que freqüentemente as empresas emitem menos ações ordinárias do que preferenciais. Em grande quantidade, as ON, com seu direito ao voto, possuem poder - e os controladores das empresas não querem poder dando sopa por aí.

As PN não podem ultrapassar 2/3 do total
Normalmente o número das PN é o dobro das ON. É o máximo permitido: por lei o número das PN não pode ultrapassar 2/3 do total das ações emitidas. Mas pode haver menos de 2/3: há empresas que possuem números iguais dos dois tipos e outras que só têm ações ON. No caso das empresas citadas o número das ON varia entre 37% e 53% do total.

Com controle não se brinca
A restrita emissão das ON já reduz sua disponibilidade, mas há outro fator que dificulta mais ainda a negociação das ON. Como a posse da maioria destas ações significa controle da empresa, esta maioria, em circunstâncias normais, não é negociada. Em resumo: as ON têm menos "liquidez" que as PN.

Perigo e oportunidade
A segunda, e mais importante, razão por que muitas das ON das empresas mencionadas custam menos que as PN é que elas levam embutido o perigo de receber menos - ou até nenhum - dividendo. É aqui que existe tanto o perigo quanto a oportunidade.

O que diz a Carta Magna
O que é que a Lei de Sociedades Anônimas diz em relação ao nível de dividendos pagos às ações PN? Que "salvo no caso de ações com direito a dividendos fixos ou mínimos, cumulativos ou não", as preferenciais têm o "direito a dividendos no mínimo 10% maiores do que os atribuídos às ações ordinárias".

Iluminação nas entranhas de Telesp
É óbvio que a vantagem das PN receberem um dividendo 10% maior não explica por que seu preço chega ao dobro do preço das ON. Temos que entrar mais a fundo. Para exemplificar a questão vamos analisar o balanço de Telesp para 1997.

Cadê os dividendos?
Ao vasculhar as Notas Explicativas às Demonstrativos Contábeis que acompanham o balanço da Telesp para 1997, ficamos surpresos a descobrir, sob o título de Patrimônio Líquido, que embora a empresa tenha apresentado um lucro líquido de R$1.141M em 1997 e pago dividendos de R$319M, nenhuma parte disso foi recebido pelos acionistas ordinários. Observamos ainda que os números de ações PN e ON foram aproximadamente iguais.

Telesp garante dividendo mínimo às PN
Na mesma Nota podemos ler que às ações PN é "assegurada prioridade no reembolso do capital e no pagamento de dividendos mínimos não cumulativos de 10% sobre o valor do capital social". Parece relativamente inócuo. Quando calculamos o quanto vale 10% do capital social realizado (ou capital subscrito) preferencial da empresa, no fim de 1997, vemos que é R$336M.

Não sobrou nada para os acionistas ordinários
Em contrapartida o dividendo mínimo obrigatório total que a Telesp tinha que pagar - e a empresa achou por bem pagar somente o mínimo - é de 25% do lucro líquido ajustado (ou um "payout" de aproximadamente 25%). Esquecendo os ajustes, que pouco afetam o resultado, podemos verificar que 25% do lucro líquido de R$1.140M é R$285M. Quer dizer: o valor mínimo devido aos acionistas preferenciais ultrapassa o valor total de dividendos que a empresa se dispôs a distribuir. Não sobrou nada para os acionistas ordinários!

Se vale nada, preço baixo já é muito
É claro que, se uma ação não paga dividendos, pagar até um preço baixo por ela já é muito. Se os acionistas estão pagando 61% do preço da ação PN, aparentemente existe a esperança de receber alguma coisa algum dia. Já esquentamos a cabeça: vamos fazer mais cálculos.

Só retorno mais alto assegura o mínimo das PN
Em 1997, a Telesp teve um retorno sobre o patrimônio líquido no fim do ano de 10%. Se a empresa se limitar a pagar somente o dividendo obrigatório, para poder pagar às PN o mínimo que o Estatuto Social lhes assegura a Telesp teria que gerar um lucro de R$1.344M (R$336M/0,25). Isso representa um retorno sobre o patrimônio líquido de 1997 de 12%.

Só após a parte do leão é que as ON têm vez
Visto de outra maneira, nas condições consideradas, vigentes no fim de 1997, somente quando o retorno ultrapassar 12% é que os acionistas ordinários vão receber alguma coisa. De fato, com um payout de 25%, o valor dos dividendos pagos aos acionistas ordinários só vai se aproximar do valor pago aos acionistas preferenciais se a empresa conseguir o altíssimo retorno de 24%.

Mas tudo depende das condições
Como vimos, no caso de Telesp o número das PN é aproximadamente igual ao número das ON. Se o número das PN fosse o dobro das ON a situação seria muito pior (por que uma proporção maior das PN teria direito ao dividendo mínimo). Em contrapartida, se a empresa pagasse um payout maior, ou se a percentagem mínimo assegurada às preferencialistas fosse menor, a posição fica mais fácil para as ordinárias.

Mapa da mina
Preparamos várias tabelas no anexo Quando é que as Ações Ordinárias Recebem Dividendos? Isso mostra, de forma groseira, sob quais condições as ON das várias das empresas citadas no início recebem nenhum dividendo e sob quais condições recebem um dividendo aproximadamente igual ao das PN. A situação analisada é do fim de 1998. O estudo não considera a possibilidade da utilização de parte das reservas de lucro para aumentar o lucro do ano.

Telerj ON: o pior caso
Sem dúvida, pela tabela, Telerj é o pior caso do setor de comunicações. Na melhor das hipóteses (um payout de 50%) as ON só começam a receber dividendos quando a empresa tiver um retorno de 11%, e só atingem uma equivalência aproximada com as PN a um retorno de 18%. De qualquer maneira, como a empresa apresentou um prejuízo em 1998, parece que ninguém receberá dividendos por conta do ano passado.

Tele Norte-Leste ON: o melhor caso
O melhor caso do setor é das controladoras regionais. Na pior das hipóteses, as ON da Tele Norte-Leste atingem uma equivalência aproximada com as PN com um retorno de 10% - uma rentabilidade alcançável sem grande problema em 1999. Em 1998, a empresa teve um retorno de 1,9%, abaixo do mínimo necessário para pagar um dividendo para as ON. Mas, de fato, a administração pagou em cheio. Como? Adicionou parte de sua reserva de lucro ao lucro do ano e aumentou o payout para 127%! Embratel Part agiu de outra maneira: com um retorno de 2,1%, seguiu a lógica da tabela e pagou somente as PN.

Nem Copel nem Celesc estipulam um mínimo
No setor elétrico, nem os Estatutos de Copel nem Celesc estipulam um dividendo mínimo. Neste caso prevalece a regra que deve ser pago às PN um dividendo 10% acima do dividendo das ON.

Mecanismo esclarecido
Como não temos tempo aqui para analisar todas as estatais e ex-estatais, e como já esclarecemos o mecanismo, damos por encerrado o assunto por enquanto. Em nossas análises semanais investigaremos outras opções. Vamos às conclusões:

CONCLUSÕES

1. Nos Estatutos Sociais de muitas empresas estatais foi estabelecido um dividendo mínimo para as ações PN. Isso resultou, pelo menos em anos recentes, no pagamento de pouco ou nenhum dividendo às ações ON.

2. A posse da maioria das ações ON permite o controle de uma empresa por seu detentor. Enquanto este acionista controlador era o governo, com o dinheiro do contribuinte para esbanjar, não havia nenhum interesse em mudar a situação das ON.

3. Agora controladores privados estão assumindo estas empresas através da compra da maioria das ON em leilões de privatização. Como eles precisam de um retorno sobre seus investimentos, vão assegurar a estas ações o pagamento de bons dividendos de qualquer maneira.

4. Há várias maneiras pelas quais um novo controlador pode, de forma relativamente fácil, aumentar os dividendos pagos às ON: pode usar as reservas de lucro; pode aumentar o payout; e pode aumentar a rentabilidade da empresa. Existem outras maneiras mas são mais difíceis.

5. Muitas ações ON podem ser compradas atualmente com um bom desconto sobre as ações PN. Parte do desconto é devido ao menor número das ON disponíveis no mercado, e a conseqüente maior dificuldade em negociá-las. Mas uma parte importante é devido aos poucos dividendos pagos às ON na época do controle estatal.

6. No caso das empresas que asseguram às PN um dividendo mínimo, os novos controladores privados inevitavelmente vão garantir maiores dividendos para as ON. Em conseqüência as ON agora oferecem uma excelente oportunidade de compra para pequenos investidores, de longo prazo, que querem bons dividendos mas não se preocupam com a baixa liquidez.

7. Mas no caso de certas empresas é mais fácil conseguir pagar maiores dividendos. Entre estas estão Tele Norte-Leste e Tele Centro-Sul, em primeiro lugar, e Telesp e Telesp C, em segundo. Se comprar a Tele Norte-Leste ON a 50% do preço da PN, por exemplo, há uma boa chance de receber quase 100% a mais em dividendos no futuro. A infeliz Telerj vem em último lugar!

8. Onde não há garantia de um dividendo mínimo as únicas desvantagens das ON são a baixa liquidez, e o fato de receber um dividendo 10% abaixo das PN. Copel ON e Celesc ON - até onde conseguimos verificar - ficam nesta categoria.

9. Finalmente, se quiser comprar a ON de uma estatal que tenha baixa rentabilidade, pouca perspectiva de privatização, e que assegure às PN um dividendo mínimo, cuidado! Você pode ficar sem dividendo nenhum!
6/4/99

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